sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Apenas um flerte













A brevidade se resume num giro
de um sopro num cisco.
As coisas giram seguindo a rotação
posto que é lei do sistema dançar sem sair do lugar.
E é uma dança lenta, sedutora,
que deixa cores, olhares, sorrisos,
sabores, lugares...
Depois tudo se adentra
no lugar sagrado a que chamamos memória e,
uma vez lá dentro,
fica guardado com o restante do universo
e não se congela,
não adormece em esquecimento.
Por tornar-se lembrança,
pode voltar à tona a qualquer momento
e assim, num flerte de prima-dona nos envolve
feito um golpe
numa viagem para dentro de nós.
Quando voltamos desta expedição,
somos mais velhos.
O espaço íntimo é infindo
porque a sua extensão é de infinito
e nos revela infinitos também.
Assim, um giro de um sopro num cisco,
um olhar, um sorriso
são tesouros do além,
mas não do além-futuro que degustaremos.
Essas coisas pertencem ao passado guardado,
história contada daquele primeiro dia
em que nos encontramos;
daquele primeiro olhar,
da primeira palavra dirigida e do sorriso.
Sejamos, pois, felizes!




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domingo, 6 de novembro de 2016

Bem-te-vi















Daqui de onde estou,
desejo-lhe joias trejolis,
corações de caquis.
Que venham rasqueando o céu
no ponteio de uma viola,
num som de vitrola
feito perdido avião
a bater em seu coração,
galho seco a florir,
para que se a ponha a rir
e a celebrar a vida plena
de forma serena
no leva-e-traz do amor
nunca extinto no jamais.

O amor é bem-te-vi
e jamais é palavra assaz,
pois nosso eterno vínculo
de alegria faz um círculo.
Quando volta,
é primavera de festa
e  o temido inverno
em seu frio agudo
torna-se vencido pelo amor astuto.
O seu fogo  aceso
faz arabescos de borboleta,
brilha o facho de um cometa,
canta alto ao luar
a quem se ponha a ouvir
e a acreditar em seu encanto
benfazejo de bem-te-vi
no guardado desejo de sorrir.


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sábado, 29 de outubro de 2016

A rua






















Eu sou um viajante do tempo
e neste momento nada me perturba.
A cada passo, carrego o patrimônio de eras.
mesmo que esquecidas, não saltem elas
do embornal da alma onde tecem vida.
Minhas preciosidades estão ali guardadas,
cada qual numa lição tirada.
Quando ando em direção ao intransponível,
respiro gás dirigível, agradeço à rua, e nada me perturba.
Atrás de toda dificuldade, uma lição me aguarda.
Espreita-me ansiosa e diz: Vem, aprendiz!
Vem andarilho! Vem saber com quantos
paus se faz a caravela que te leva!
Então agradeço por tudo:
Agradeço pelos rochedos,
pelos percalços, pela floresta de medos.
Agradeço pela fortuna mirrada
quando a forme se avizinhava.
Agradeço pelas misérias e insucessos
e por alguma pouca sorte que tenho.
Na roda do engenho de onde a lição é tirada
é que estão os tesouros e, sem que nos apercebamos,
em seu esacaninho guarda-se todo o ouro da jornada.


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sábado, 8 de outubro de 2016

Vento-silêncio















Abri mão da última palavra,
pois tudo passa.
Rola abaixo dissolvendo fardos
de miséria e de fausto
e nas águas do tempo
perde potência de veneno.
As ofensas agudas
dissipam-se fantasmas
na evaporação da chuva
e a última palavra de revide,
aquela de tenacidade astuta,
agora é silêncio.
Silêncio de quem não se importa
e,em mudez de claustro,
recolhe-se solitário
em irrestrita liberdade,
adentra-se em sua mansão de ar
e dorme pesadamente,
ouvindo a tempestade rolar.
Abri mão de dizer verdades,
de freqüentar tribunas de defesa
ou de tramar fugas covardes.
Flutuando vão as ofensas,
cada qual com a sua crença
e tudo está passando
indiferentemente
feito vento que segue diligente
a algum sítio à frente.

domingo, 4 de setembro de 2016

Garimpagem












Seguindo a pedra na cata,
o sonhador busca a turmalina
tal qual o poeta garimpa a palavra.
A cada lote de escórias que encontra,
alimenta-se de estórias e sonha.
Vê adiante o tesouro guardado
que preservou o brilho dos astros.
Caminha ele numa trilha de mica
que passa numa encruzilhada de encontros
para todos que possuam sonhos.
Assim, vem pessoas de todos os lados,
cada qual trazendo o seu legado.
O poeta respira no lençol da alma
para alcançar o futuro da multidão,
estende as palavras de chumbo no papel
e assopra por sobre elas a voz enfeitiçada
com a força de chegar ao coração.
É esperança verde-turmalina
que guardara dentro de si,
mas que agora, garimpada em poesia,
quer aninhar-se dentro das gentes
tal qual a boa semente busca o porvir.



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quarta-feira, 25 de maio de 2016

Lista de Chamada






















Sim, amigo! O nome colhido na árvore do ouvido é o teu!
Nome maiusculamente teu e de mais ninguém,
chamado a lambuzar-se de ofensas
e a despertar-te a fúria insana.
Neste instante, guarda os fogos.
Esquece de ti na surdez oportuna
e recebe o carinho gélido de um espanador!
Se o espanador espaneja com a asa de um anjo,
o alívio escorre vívido em seu domínio
e no lugar do que antes era invencível
instala-se silencioso sítio.
Na ausência da forma palaciana de ti,
acalmam-se as palavras turbulentas,
os recitais de tormentas,
os espetáculos tumultuosos que desafiam-te,
provocando e clamando os tais corajosos.
O espanador tudo apascenta.
Dissolve a armadura do ciúme,
esfrangalha a vaidade e as primas do egoísmo.
A tudo transforma em branco ausente
num tipo de desinteresse que põe nas distâncias
o olhar competidor e rigoroso da intransigência,
que não aceita a vida aformosada de clemências.


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segunda-feira, 28 de março de 2016

Metafísica















Nem azul nem vermelho.
Um rei sentado
com os intestinos dobrados
pode bem se ter no espelho
e saber que apesar do alarde e
de todas as lutas, pouca coisa muda.
Para o espaço não existe cimo nem baixo.
Não existe vitória nem derrota.
Todo momento fugaz é de glória.
Sabe que no ritmo do humor marítimo,
em seu caminho de adivinho,
torna-se inútil e imbecil toda dor
como são inúteis os grandes sofrimentos,
a não ser pelos desdobramentos
na educação que ensina
que por traz de toda rima
sempre existe uma lição.
E é sentado nesse trono
que vasculhamos nossos enganos.
No porcelanato de um vaso sanitário,
vertemos o resultado da digestão
de todas as formas investidas
na arena de batalha da vida
e a substância boa é substância vã
na claridade da manhã.


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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Lira














Na vila de Marília existia uma casa
em que a moça casadoira sonhava.

Punha-se à tardinha, ansiosa na sacada,
a esperar um cavaleiro que passava.

Era o tempo inteiro nos tecidos e bordados
mesmo antes de um noivo encomendado.

E aquele moço tão faceiro e assenhorado
logo, logo, se tornara o seu amado.

Vinha toda tarde bem postado em seu cavalo
e passava bem em frente ao sobrado.

Ela suspirava e a noite despencava
o travesseiro no desejo que gozava.

Vinha o seu amado murmurando em seu ouvido
e ela sentido tudo quanto era arrepio.

E ele foi vivendo na lembrança do desejo
enquanto ela imaginava aquele cheiro.

E depois de anos, quando velha, debruçada,
ainda sentia aquele homem que amara.



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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Persona





















Músculo suado e rijo 
de cavalo selvagem,
sufocas meu prazer 
em ver a paisagem.
Apertas meu pescoço 
até que o ar,
extinguindo-se num sopro,
já não possa respirar.
Gargalhas de modo 
horroroso porque lá,
dentro do infinito poço,
está minha imagem
preservada em orgulho 
e vaidade.
Quer deixar-se lá, 
cômoda e inocente,
porque é melhor 
não saber do lixo.
Não saber aonde 
realmente existo
tranqüilo e impassível 
num oceano de egoísmo.


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sábado, 30 de janeiro de 2016

Mundo Vertical















É com ação no coração
que se desenha a palavra
e a mão na massa, então,
vai dando forma ao que se passa.
O silêncio em timidez
é  temporal que se desata
e o fermento em pão francês
no alicerce de uma fala
abre o mundo em vertical,
foguete rumo ao paraíso.
E o amor fenomenal
que era guardado num sorriso
não é mais a amizade encabulada,
misturada nesse medo de amar.
Numa praça, numa nuvem de cinema,
desabrocha a flor bonita do poema
e agora, o jardim do sentimento elabora
o azul de um novo tempo.

(É o amor, o vento esperado
no quintal calado e solitário.
A enchente da felicidade
nos envolve agora, nessa liberdade). 


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Alquimia





















Sol de dentro fez um vento,
fez um lance de invento
e a tristeza que operava
na trincheira de batalha,
foi-se embora numa fila
numa trilha de formiga.
Foi levando seu queixume
para o alto de um cume
onde o vento assoprava
na leveza de uma palha
e a moça da janela,
com o coração em luto,
numa lua de mercúrio
embarcou-se numa vela
que buscava outro rumo
em que o cinza e o chumbo
não se espalham como fungo
e o calor de uma folia
é constante garantia.


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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Antiga Cantiga





















Ana, daquela vez que te encontrei numa folia italiana,
vestias um longo vestido e tocavas um alaúde.
Por isso, embevecido, olhar-te foi só o que pude.
Era a primeira vez em que eu te via
e a Idade Média em guerras ardia.
Desci do meu cavalo e saudei-te na rua
no cumprimento dos templários.
Depois, desapareci nas Cruzadas
levado pelo século em longas asas,
e fiquei todo este tempo sem te esquecer.

No movimento revoluto que gira a roda,
eu te encontro agora, Ana,
com o mesmo sorriso de antigamente
e esse brilho de sempre.
Agora, possuis outro nome e ao meu lado andas.
Estamos apaixonados neste esquecimento
e entrelaçados numa pretérita história
que ao presente não importa,
mas por ela posso ver que o Amor é reincidente,
unindo obstinadamente distâncias ausentes
das partes companheiras 
com a mesma atração que emoldura as estrelas.


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