sábado, 12 de outubro de 2013

A INVEJA













No fundo das tuas costas
mora um dardo assinalado sem doer:
míssil estacionário para explodir desacelerado
a cada mau olhado que te vê.

E quem te olha é teu próximo,
teu amigo quase parente,
que desejando ter o que tens somente,
ambiciona ter o teu ser.

Quando nele silva a serpente secreta
que nem ele se dá conta,
a sopa da inveja é um mar vagaroso
que, aos poucos, engrossa-se lodoso
procurando comida pronta.

A frustração é a principal embarcação
fadada a conquistar silente,
traiçoeiramente,
a vitória preciosa alheia,
retirando das tuas veias teu precioso ouro.

Mas esse desejar é tolo
porque o ouro do outro,
quando roubado, é ouro de tolo,
se já está destinado.
A inveja que ficam sentindo
do quintal vizinho
repleto de passarinhos
é apenas olho mesquinho.

Perdoa-lhe este mal,
pois tu também te invejas
quando abres a janela
com a alma em poço de cisterna
e em tua praça de guerra,
lá nos domínios íntimos,
buscam as feras os píncaros
de outras costas próximas,
mas, esta moral sórdida, escondes
num telhado de flandres
para que ninguém veja,
exceto aquele que deseja
ver-te como és:
ser humano de convés
mas que tem também um lodo
preso num calabouço.






.

sábado, 5 de outubro de 2013

Perfumaria




















O jasmim e certos tipos de lírio florescem
em formato de arbusto e o busto dos governantes,
com o bronze aberto, não é páreo
para o seu garrancho de folhas.
Os roseirais vaporizados vagam espaços
de arcanjos nunca considerados,
pois é preciso um jeito de olhar as flores e entender o azul,
bem como o cheiro da lembrança crônica entornada nas gavetas largas,
lavadas de amores caros de Istambul.
O amor evapora como as flores que vão embora
sem nunca deixar a essência original.
Debandam-se para os lados do Nepal.
Evoluem, volteiam. Depois voltam.

Olho de boi estendido no rio mata inveja gorda.
Recolhe-o lavando a roupa a moça de morenas coxas
e guarda-o no bolso da blusa enquanto olha as flores:
- Meu namorado me ama...
A madressilva se confunde com as abelhas.
A água lambe a margem em saudação festeira
e a vegetação tem um jeito escondido,
guardado no verde, mas, ainda assim, acessível.

A cerejeira, efêmera e bela, voa em perfeição
no ritmo do dente-de-leão.
Parece dizer que o rio flui,
que tudo flui sem nunca apagar.
Flui como num sono
que esconde o verde,  esconde a moça,
o amor, as rosas e os jasmins.




.