domingo, 30 de março de 2014

Natureza





 O verde esmeralda em mosca varejeira
E o ninho de sanhaço em torre de igreja
A pétala de cravo e a perna do soneto
O véu de grinalda e o fio de cabelo
O fruto alaranjado e as unhas da tigresa
E é tudo tão bonito no vão da Natureza!

A moça regateira com o salto de modelo
A banha do cachaço na boca do morcego
O favo de uma jaca e o jeca sem tristeza
O Salmo recitado a toque de pandeiro
O lenço do silencio e um dedo de proeza
E as mãos do Obreiro da Natureza!

A folha de vassoura no cheiro no terreiro
O óleo numa água e as cores do calango
O nó do bacalhau nas cordas do balanço
A nuvem de noivado no bolo sobre a mesa
A linda serenata à luz de lua cheia
E é tão sorridente a Natureza!

A manga temporona e o voo do besouro
A embira da banana e um céu que é todo fogo
A peso de alumínio, o salto de um símio
E o amor no seu invento é massa de cimento
No pulo salva vida é Deus numa visita
E tudo é tão sagrado na Natureza!



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segunda-feira, 17 de março de 2014

Violões







Violão, de longe ainda,
avisto o teu apelido de ponte.
Tuas cordas esticadas
na exatidão matemática,
mais parecem alças.
Dentro de cada parte
há um segredo que a madeira
esconde com arte.
Há esta sonoridade ambientada
que no fundo fez morada
e a tua voz aparece quando
vibra e ressoa
numa extensão,
como se fosse a voz
de uma pessoa
vibrando um coração.
Mesmo quando parado,
no canto encostado,
há esta canção silenciosa
adormecida em tuas cordas
à espera da aventura de ser extraída
da forma como se extrai a seiva
primordial da vida.

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sexta-feira, 7 de março de 2014

Ausência















Lavei minha alma toda em cloro
mas a nódoa, há muito impregnada,
insistiu-se derramada no colo,
como são as mágoas das coisas paradas.

Pensei na chuva e na ventania
que acariciam a casa abandonada
e o vento entrou-me num sopro
e se pôs varrendo o assoalho da alma

Então, passei os olhos na mata
e os meus olhos ficaram esverdeados
como se tivessem visto esmeralda
e se acendesse de verde a minha casa.

Lancei também o olhar no rio
e os meus olhos ficaram lacrimejados
como se tivesse boiado um cisco
da profundeza das coisas guardadas.

Senti, então, que a Natureza solene
revolve as manchas estagnadas
se nos deixamos um pouco ausentes
e nadamos em seu poço de graças.



(Foto de Dió Freitas)

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