sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Química
















Uma estrada de estrela é láctea
Sacarose ao mel da cera é abelha
Suculenta, a laranja é cítrica
E o suco vai num vidro de sílica
Lá no alto a Mãe do Ouro, fosfina
Na ferida de um porco, creolina
Lenha e cinza de um fogo é potássio
Marilyn e o cabelo louro platinado
Banho fácil em machucado, permanganato
Dissolve e quebra a amargura o bário
Fiação de luz da rua é de cobre
Hermes da temperatura é o mercúrio
Poluindo na luxúria é o chumbo
Para a dor intestinal, o magnésio
No acidente em Goiânia, o césio
Para o aço industrial, o manganês
Mora no creme dental o flúor
Numa água azul piscina, o cloro
Numa atração de imã, o ferro
Numa lua muito linda, o selênio
Combustão da minha célula, oxigênio
Explosão de dinamite, nitrogênio
Buda radiante e a aura é telúrica
Para ossos muito fracos tomo cálcio
O ouro farto da pirita é falso
Cheiro bom de uma comida é éster
A cerveja distraída é álcool
Verdadeira ação da vida é éter
Adão, Eva e o paraíso, málico
O retrato do meu tórax é rádio
Fingimento num sorriso é plástico
Diabético se aplica a insulina
Plantação de eucalipto é celulose
O espírito da madeira é metílico
Graxo grosso numa veia é trombose
Ferro forte no meu sangue, a hemoglobina
Cheiro forte deste mangue é sulfídrico
Para tosse, que é constante, o bromídrico
Casa aberta de colmeia é o benzeno
O perfume na gaveta, naftaleno
Na gastrite e no estômago, sal de eno
A bebida para o ônibus é gasolina
Numa lâmpada fluorescente, tungstênio
Prata linda e reluzente, a argentina
Spray que sobe ao ozônio é buraco
Soda junto ao alumínio é aluminato
Antimônio em cosmético é maquiagem
Pão crescido em padaria é amônio
Na formiga cabeçuda, o fórmico
Chuva ácida de indústria é sulfúrica
Azul no amido da batata é iodo
Cromada e galvanizada é a pilha
Água marinha encontrada é berilo
No rio, o lambari bocarra é alumínio
O fumante risca a caixa com o fósforo
Lava a unha em manicure a acetona
Noite escura e pantanosa tem metano
Gás-cozinha numa sonda é butano
Pedra e óleo em subsolo é petróleo
Homenagem à Polônia é o polônio
Na fusão e fissão atômica, o plutônio.



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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Machadiano

















Aquela lembrança guardada no livro
tem cheiro de chiclete ping pong
que nunca some,
cheiro de iogurte amiúde,
cheiro de noz-moscada mastigada.
No lugar onde está guardada,
estão os cheiros insolúveis e
os narizes algures.
Aquele livro guardado
com lembranças do Machado
tem um amor dissimulado
e o mar do Rio de Janeiro
retirado de um espelho.
Lá está o olhar furtivo
de um passado redivivo.
É outro amor, mas é o mesmo amor.
É outro olhar, mas é o mesmo mar.

Mar de azul furtivo e inclemente,
desapiedado e inocente
na arte de enganar.



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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Meus olhos
















Dentro de um pavilhão descansam
os meus olhos fechados num canto úmido do chão.
Cansaram de ver no clarão do dia
as coisas duras e insolúveis.
Fecharam-se macios e desataram-se
dos colchetes que os prendiam.
São agora egoístas e indiferentes.
Já não se lembram das mãos dos pedintes que pedem,
nem do frio dos desabrigados.
Cansaram de imaginar, piedosos, crisântemos curativos
e debulham, agora, tudo em malha grossa nos crivos.
Cada mazela atravessa com o seu peso de rocha
o portal da lembrança e some no nevoeiro da floresta.

O fel perdeu-se num labirinto e
deu lugar a um rio caudaloso.
A água invadiu os corredores da alma
e limpou tudo com força de água.
As imagens inolvidáveis foram guilhotinadas.
No peso do cansaço dos acomodados,
os meus olhos se entregaram ao sono dos justos.
Dormem, amolecidos, depois de um dia de trabalho,
o sono da noite, e já não se preocupam
com as guerras e o infanticídio.
Já não se preocupam com a fome dos miseráveis,
nem com a precariedade do mundo.
Meus olhos dormem.

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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Paregórico

















Eu retenho no olhar
o musgo de um carvalho e
as favas da baunilha.
A esperança, essa vadia,
é muito velha e muito bela e,
quando se faz de doce, caramela.

Dança no centro da língua
na glândula salivar,
digerindo quem morreu à míngua
e foi parar no ar
porque há esperança, ainda,
para ele se levantar.

Eu me sujo de terra porque
sou repleto de bulbos plenos
de primavera.

Afinal, é nas palavras
que as flores e a esperança,
enfim, amanhecem.
As palavras e seus elixires
recitam fórmulas velhas
muito ouvidas e desejadas,
guardadas em vestíbulos
e, em pedidos, usadas.

As flores guardam seus pendores
debaixo da terra e a sua voz, em
algum ourives, reverbera.
Reverbero no olhar de musgo
o doce da esperança porque
sinto-me lúcido e quem espera
sempre alcança.



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sábado, 18 de janeiro de 2014

Pintura Chinesa




















Saltaram os extratos do quadro
da pintura chinesa
para o casal sentado à mesa.
O beija-flor é pequeno
mas o amor é grande.
O beija-flor é pequeno
mas o amor é bastante.

Ele beija sua flor
com um beijo sereno
e lhe declara amor
com um olhar pequeno.

Ela se envolve flor
em pleno setembro
para onde ele for.
E os dois, merecendo,
vão-se em mão dadas
na noite acalmada,
gerando a figura
com a benção da lua
na flor namorada.


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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Antúrios espúrios













Na cidade coagulada nada muda.
Existem antúrios espúrios plantados nas ruas,
e a cartilagem do fluxo é calcificada
na geração poderosa que produz a ninhada.

Na arcada da boca está o arco do palácio
para a todo aquele que come mosca,
e o poder cicia a malha de plástico
para cobrir a esperança pouca.

A cidade coagulada e circunscrita no mapa
é inundada numa luz mortiça de alpiste
que atrai o oportunismo das aves de rapina
e o lucro fácil da circunstância persiste.

A rotina estagnada é cozida em banho-maria
e os vultos andam nas noites de berinjela madura.
As casas desabam em enchentes de chuva
muito anunciadas pela meteorologia.


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O cão perdigueiro















Ouvindo a campânula da flor e do sino
de um coração de menino,
o cachorro vagueia.
Procura o menino perdido
em extensões continentes
que lhe chama insistentemente.
Depois de muito cansaço,
o cão perdigueiro,
que percorreu o mundo inteiro,
busca deitar-se no chumaço e,
olhando o céu por acaso,
absorve o capuz novo da lua
feito casco de tartaruga.
É ali que está o menino,
sentado numa ilha ignota.
Com a aparência lunar e
plantando cambalhotas
ele sorri para o cão e lhe diz:
_ Eu sou a resposta que tanto procuras.
Sou o teu reflexo de dono
para o tamanho do teu abandono,
mas livre é quem tem a alma de lua.




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sábado, 11 de janeiro de 2014

Na antiguidade




















                             Para Karla Nascimento                                                          

Quando eu ainda não tinha idade no
livro da antiguidade, tinha claras lembranças.
Andava rico de personalidade
e pobre de definição, feito criança.

Quando eu ainda não tinha roupas nem sapatos,
sentava-me nu para observar a longa rua
e o ritmo das pessoas, olhando os astros.
Admirava o fluxo vibrante da densidade dos corpos
plantados no mapa e sob um céu de aeropausa.

Quando eu ainda não tinha raízes,
atraía as nuvens magras de algodão leve
sem cintos ou cadarços
que incensavam as pessoas descalças.
Queria ser incensado em finura de fechadura
e evaporar para outros tantos espaços.

Quando eu ainda não era homem
e nem sequer tinha um nome,
guardava a ânsia de encontrar outra alma.
Vagava cantando, chamando por nomes,
pedindo ao azul um encontro de almas.

Foi quando vi você andando distraída,
olhando as borboletas e o jardim sem fim,
admirando as nuvens em formas de querubim,
sonhando um sonho parecido com o meu
e, desde então e sempre, eu sempre fui só seu.






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domingo, 5 de janeiro de 2014

Amor Medieval




















Plantada na estrada do amor,
a beleza é larga ponte
onde se revela o horizonte.
Nela existe o mesmo cheiro
dos tecidos novos porque inova na cor
posto que a cor é paisagem inexplorada
nas mãos, nos olhos, na boca da pessoa amada.

Na fugacidade das flores e insetos,
o amor estabelece uma agrimensura
e escreve versos que mais parecem
compridas ruas onde se passeia de mãos dadas.
E a manhã balbuciante,
marcada pela estrela d’alva,
não será mais que uma alvorada
e sim um infinito momento de duração enamorada.

Entretanto, se o fogo luminoso solar
e os peixes do fundo das águas pontuam
o meio termo entre o céu e a terra,
neste meio termo estão também as verdades de amar.
Pois por mais que o amor e a beleza
estejam juntos nos momentos de plumagem eterna
eles estão, na verdade,
ligados a outras formas ainda mais belas
que moram irredutíveis no espaço das ideias.
E por lá olhando, naquele brilho firme,
por vezes avistamos o verdadeiro amor
e suspiramos a forma que o define.
É um amor em quietude que nos olha o tempo todo
e estendendo lençóis na janela,
bafeja-nos com seu fogo.
Um fogo a arder em sala sagrada
e a dizer-nos numa chama nunca findada
a sua forma verdadeiramente bela.

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