quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Assim falou Zaratrusta




















Nem a História da Filosofia,
nem a Ciência, nem a Religião.
Eu só me situo no âmbito da Paixão.
Por isso, podem chamar os pássaros!
Que venha cada qual com o bico afiado
impingindo lacerações e felicidades
nas rapsódias em retalhos:
os pássaros de Marte, do gozo, da Arte,
feito vendilhões e biscates.
Os pássaros, que bem sabem a alma e seus tesouros,
os gases voláteis, os cães e as sombras em combustões.

Agora podem chamá-los.
Passei o dia inteiro dando pancadas na fumaça
e eis aqui o homem cansado.
Eis aqui o homem que precisa de outra jornada
em cujas águas revoltas e sem destino
não haja o singelo regato campesino.

Eis agora um homem perdido e que ama se perder.
Há nele um vazio de tabernáculo a arder.
Os arames estão desarmados e os escuros, emoldurados.

Podem chamar os pássaros.
Aqueles que trazem o cimo dos prédios
em forma de remédios.
Os que viajam em altíssima velocidade
para arrebatar montanhas dissolvidas.

Já retirei a vidraça dos olhos
para receber o assédio que vivifica.
Preparei meu cabedal de lama e o lençol
da cama para pousar imagens
de todos os pássaros que sejam espaçonaves.


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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

À sombra do dente















Para o anseio de conhecer-se a si mesmo
o Sol é uma bola esbranquiçada.
Ao erguer-se da poltrona
ela cospe uma bola de sangue,
depois deita  com a boca anestesiada.
A perfuratriz murmureja e faz
escavações arqueológicas
nas regiões do submundo.
Ela sente que não acredita em mais nada.
Na raiz da crença, abaixo do dente,
está a amálgama de chumbo.
Ao fragmentar-se em pedaços,
o metal é cuspido na pia.
Um filete intermitente de água
dissolve-lhe a opinião sobre a justiça,
política, filosofia e religião.
Agora, só existe a boca anestesiada,
e assim ficará até que volte para a casa.
Até poder sentir novamente o gosto da vida
gerado  por outra metanarrativa.


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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Estória de bairro













ponte, serpente:
céu da boca beijado
amor apressado

esteve ausente
o sargento fardado
do antigo sobrado

e aí, de repente,
ao chegar de viagem
à noite, cansado

tirou da sua frente
a densa folhagem
que havia plantado

sacou do revólver
fazendo uma poça
com um só disparo

matou a esposa
e também o amante
que estava deitado.


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