quarta-feira, 18 de junho de 2014

Arqueologia














No sol vespertino, um homem ofegante e com
a face em sulcos, goteja cavando a rua.
Busca tesouros escondidos debaixo do asfalto.
Ali mesmo, debaixo de onde correm os fluxos,
onde se esconde o esgoto e descansam as marcas
da história recente da superfície.
Faz isso porque hoje, tudo é petróleo, 
corpo frio, inerte e oculto.
Longe dos olhares, 
deitadas no leito abaixo por onde trafega
a vida, as marcas permanecem ali, 
no subterrâneo esquecido.
A tarde desgasta o homem calejado pelas intempéries
e o fulcro de sua vida ignora o luto velho da rua
pela paisagem antiga que dorme numa sepultura.
Em cima dela não há flores nem cruzes.
Por ela caminham mulheres com crianças de colo,
bicicletas deslizantes, automóveis intermitentes.
A mão do homem é grossa e, mesmo assim, sangra.
Faz de seu flagelo um buraco enorme 
a buscar a manilha principal.
Ali descansam as sombras, 
os dias e as noites que se foram.
No subsolo, o líquido percorre labirintos de água de beber
e flerta com outras vias por 
onde trafegam os esgotos domésticos.
A copa das árvores ventila o homem em seu universo,
que ganha todos os dias o seu pão dessa maneira.
Ele leva para casa o ouro apenas ao final de cada mês.
É um salário mínimo, 
retrato ínfimo do que achou
no lugar onde jazia oculta a história 
insignificante de outros homens.

.

sábado, 14 de junho de 2014

A bola


















Para o Sol, que é a bola do futebol,
não há chute fútil,
não há chute fácil.
A rede do time adversário
é parte imprescindível do espetáculo.
É lá que ela, a bola, busca o tempo
todo amanhecer através dos pés
ao desenhar-se como se fosse o pão
na fome de se atingir a meta.
Torna-se, assim, para o alvo, a seta.
No suado trajeto que é traçado
é como se o universo, reinventado,
estivesse reduzido a um retângulo
e o movimento dos astros,
como que brindando-o,
organizasse uma festa neste cenário.
E assim, rola a bola pelas laterais e no meio,
voa de um ponto a outro de todo jeito,
buscando o destino do corpo,
e desenha-se no anseio
para a cabeça ou o peito que a amortece
num diálogo de quem a conhece.
De repente, no passe
criado no lampejo de um segundo,
amanhece outra vez o mundo
quando a rede se ilumina.
É gol!! Que jogada linda!!!Chegou o novo dia.
Podemos, agora, extravasar a alegria.



quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ela e o outro


















Foi com o sentimento baldio de andar a esmo
no quintal da miséria  - por ainda não possuir o
necessário - que aprendeu a duras penas que
necessita dos outros, vindo do lado contrário.
Sabe que do lado onde 
a paisagem é preferencialmente litorânea,
carece das montanhas  do outro,  
para configurar o seu jogo de luz e sombra.
Se é preciso caminhar juntos 
e conviver na lapidação diária do brilhante,
então optou por calar-se 
na situação de um caldeirão borbulhante  
e amainou o ímpeto impensado de suas respostas.
Ao serem preteridas as suas propostas,
já não protesta como protestava antes,
quando achava que toda discussão 
era uma luta acirrada de egos.
Ao ser desafiada, agora, 
o eco de sua fala já não responde, se cala.
Com esmero, se esforça em guardar a todo instante
em que habita o planalto, 
a vertigem descansada das planícies
da mesma forma que o cerrado planificado
valoriza as araucárias em riste.
O coração apascentado, que às vezes não corria
por achar que todas as coisas fluem devagar,
continua serenado mas, agora, tem pressa de chegar.
Adotou como velocidade o silêncio que anseia
no fleuma veloz da urgência 
em outra consciência para caminhar.
Agora, ela retirou-se da arena das lutas.
Deitou-se no chão para a grande chuva
e por ali ficou a observar o horizonte longilíneo,  
que não possui qualquer declínio e que é um painel
permanentemente  aberto e  belo.
Não mais ignora que a sede do subsolo pela alma gasosa
da nuvem celestial é tal qual a altura desejosa
que anseia acolher a profundeza abismal.
Vertical e horizontal, 
o seu mundo é agora um enorme espelho,
latifúndio de espantos por onde sustenta o seu peso.


..


.

domingo, 8 de junho de 2014

Futebol

















Na paixão do povo não importa o miolo,
não importa a gema do ovo
se o que mais vale é o gosto.
Pouco importa se o tronco é oco
e se isso é algo bobo.
Na paixão do povo existe sempre um lobo
porque há, em toda paixão, aquele fogo,
aquela tempestade por pouco.
E é assim que a bola está no gramado
e em noventa e poucos minutos haverá o resultado.
Naquele retângulo verde haverá duas redes,
inicialmente dormindo quietas,
mas que sonham e têm pressa de abraçar a bola.
Sobre elas haverá algo a ser dito
quando a bola vencer o trajeto percorrido,
indo  morrer dentro de seus domínios.
Isso quase sempre é inevitável,
a não ser no zero a zero,
pois a bola e a rede se desejam sempre
da mesma forma que a água deseja a sede.
Num destino que só ela conhece o melhor caminho,
a bola entra pela trave como se fosse passarinho
e por mais que o goleiro se esforça, passa por ele
repetindo ou inventando moda
e vai descansar lá dentro, orgulhosa do seu invento,
naquele toque que poderá trazer novo mote
às palavras de algum narrador.
É a bola e seu amor nos pés do craque,
arrancando gritos incontidos
para figurar no almanaque.
É gol outra vez do time do coração.
O outro time é que é sempre o freguês.
O meu time, não. É aquele que será campeão!



.