sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Além das estrelas















O escaravelho olha para o infinito
com lembranças do Egito.
A cada fitar milimétrico,
anseia por novo mistério
que brinque além das nebulosas
e desabroche-se feito rosas.
E ele aventura-se na noite
com a sua audaciosa foice
a fim de rasgar os véus
que lhe encobrem os céus.
Apesar da aparente velhice
e do pouco que aviste,
imagina o longe insondável
para sua fé inabalável.
De lá, uma doce voz lhe chama.
Voz conhecidamente que ama.
Por isso ele se esvai sem medo
no éter sedutor de segredos.



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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Agasalho














Saudade de amor não é abafante.
É branda e sempre galante
enovelando uma ausência cálida.

Saudade de amor não se abala.
Não queima gorduras,
acanaviando-se em noites longas.

Saudade de amor carrega um nome,
gesticula carícias, graceja memórias,
revela-se em afagos de doces rimas.

Saudade de amor borbulha vida
e não se instala em abismos.
Não constrói castelos longínquos
nem se prende em espaços ínfimos.

Saudade de amor é aérea.
Vem sem aviso prévio, sem encosto fixo.
Não é acrílica nem feita de nuvens indecisas.

Saudade de amor não é adversa.
Nunca se apressa nem se engole em brumas.
Saudade de amor é pluma
e valsa lentamente revolvendo sorrisos.

Saudade de amor não se abezerra.
Ao contrário, espera,
ondula-se carinhosamente
volteando na mente
a presença preciosa do ser amado.



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sábado, 14 de julho de 2018

Invocação














Eu também tenho uma capa,
uma espada e um anel.
Quando quero, invoco
as forças da Natureza
com palavras secretas.
Elas se ocultam por trás de versos
ao olhar desatento sob a forma
de peixes, montanhas, mares,
rios e navios.
Assopro na casca do poema
e meu feitiço se infiltra,
indo morar no fundo das letras
onde flutuam caracóis,
algas e enguias.
Ao leitor dedico o meu Amor,
minha líquida magia fraterna
e construtiva.
Mesmo íntima e silenciosa,
circula a Terra sob a forma
de uma chuva solidária
para os desertos.
Na solidão do ser humano
gotejo minhas emanações.
sereno vibrações rotineiras
que falam aos corações,
mas minha voz deve ser baixíssima,
quase inaudível.
Por isso também me faço oculto
e invisível com minha capa,
espada e anel posto que escolhi,
desde cedo, deitar a alma
enigmática no papel.




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domingo, 17 de junho de 2018

Graça














Misteriosamente chega o pedido atendido
trilhando vias que dão direto na mão
do pedinte distraído.
Quando recebe-o, espanta-se numa alegria
de pardais lotando a árvore da manhã.
Não houve esperança vã
e a secura cedeu à água que cicia.
Festeja o jeito impossível
do desejo percorrido
e acaricia emocionado a barca
que, de agora em diante,
desliza no manto da vida
reluzindo o inacessível diamante.
Entre ele e a graça recebida
não sabe quantas vozes sopraram
e as direções que o acaso tomou.
Fica por enquanto em segredo
a pluma delicada que chegou a si
pelo mérito seu que ri
da trilha onde o vento ventou.


sexta-feira, 25 de maio de 2018

Prometeu Evaporado














A equivalência entre o sonho e a vida
carrega o tempo todo a sua medida.
Se a vida planeja a realidade do sonho
sem saber a distância do ponto,
há um mistério de trilhar ou não
as voltas malandras da ilusão.
Ao sonhar o real, o convite zune
no afiado reflexo de um gume
e degola-se circunspecto o delírio
agonizante em seu martírio.
Ao meio, decepado, o sonho fundo
solta um gemido vagabundo.
Evaporou-se o êxito no tempo ido
e a vida lamenta o sonho perdido.
Já não há mais estrada pela frente,
mas, mesmo assim, noutra voz diferente
lateja o músculo da aventura,
pois, enquanto há vida o sonho fica,
levanta-se robusto nos dias,
olha o Sol do futuro e avança
para  o fígado do herói que afiança.
É Prometeu envolvido nas lidas do ciclo,
sem medo de sonhar acorrentado
e sem arrependimento do fogo dado.
Plantou no coração dos homens a chama.
Pode suspirar e murmurar seus nomes
para uma nova jornada de caça.
À frente e sem pressa o sonho espera
o fogo da vida que acende a meta.

domingo, 29 de abril de 2018

No silêncio da prosa















No chão da língua
plantei um grão.
A terra seca desejava
a chuva aprisionada
ainda na vastidão.
E o grão pedia e imaginava
a sua árvore de frutos
onde o vento doce falava,
relembrando relíquias
de outros tempos difíceis
onde a esperança minguada
trancafiava-se na crise.

Mas as folhas sussurram,
mesmo na ausência de arvores
e comunicam lindas mensagens
que saciam securas
ao espalharem as tranças
da água vertiginosa
nas respostas faladas
no silêncio da prosa.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Parlenda



Lírio do brejo
vem limpar meu olho
vem me dar um sopro
para eu ver beleza

na cachoeira
que penteia as pedras
e murmura aquela
melodia e letra.

A Natureza
que circunda a gente
é aquela mesma
que avoluma a cesta

do alimento que faz
correnteza
ao cantar a vida
posta sobre a mesa.

E tudo dado
ao seu próprio gosto
não é por acaso
e não é atoa.

Coincidência
é o que foi tratado
bem lá no passado
na conversa boa.

E o esquecimento
é um véu delgado
não imaginado
quando a tristeza

faz a moradia,
habitando o átrio,
mas a tal beleza
é medicamento,

é um colírio
feito aquele lírio,
é um passarinho
feito um curativo.

no olho amargo
desesperançado
onde o milagre
se transforma em trigo.

E a alegria
vem dançar divina
nesse mundo vivo
de contentamento.

Simplicidade
não é só vontade.
É o exercício
de um olhar sereno

buscando a essência
nas pequenas coisas
não observadas
em sua aparência.

Vamos cantando
Vamos avançando
e vamos vencendo
numa volta e meia!

Salve o orvalho
numa flor miúda.
Salve toda lua
que se faz brejeira.

Que o ordinário
em seu relicário
no seu benfazejo
velho realejo.

Se desabroche
a quem quer que seja
e logo se aloje
nas almas faceiras. 



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A mão que estende













As bananeiras na beira da estrada
oferecem cachos de banana maçã,
marmelo, ouro e prata
que poderão pertencer a quem passa
tendo à mão um facão ou faca.

Aquele que lavrou a terra,
utilizando a enxada
da mesma forma que a caneta
lavra a palavra
será de todo esquecido
e o seu cultivo não será lembrado
quando o cacho de bananas for subtraído.

O mandiocal evoluído
onde não há cerca
nem limite que se queira,
poderá ser invadido
por qualquer indivíduo
que assim deseja
e o labor do sujeito oculto
que na lavoura é um vulto
será detalhe desconsiderado
na avidez vantajosa do furto.

E assim, a atitude do ladrão
em pequenas coisas
ajuda a formar a moral doida
cujos valores éticos,
na chaga profunda,
não encontra antisséptico.




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