domingo, 24 de dezembro de 2017

Feitiço















Surgindo ao luar a máquina estelar
inexata e ampla produz diamantes
em qualquer lugar.
O palácio plácido azulado
abre-se tal qual vestido
e acaricia os brilhantes olhos
que avistam a multidão cá embaixo
carente de fé e afeto.
O vento soprado do Norte
polvilha a Terra e infla os corações
de uma esperança esquisita.
Depois deposita em cada mão uma flor cálida
e na viração da tarde os pássaros cantam
de um modo diferente e se aninham
no silêncio das almas.
Os pés, a esmo, despertam-se
na sinuosidade de um estrondo irreprimível
e se movem em trilha de uma reta
sem perder a vocação que delira.
A vontade relincha e acredita com vigor
que o porvir se aproxima a passos vagarosos
e realmente decididos.
Então todos, enfim, sentem no peito
a certeza que um Novo Ano se aproxima.

sábado, 23 de setembro de 2017

Benzedeira













dois galhos de arruda
no copo molhados
espargem as gotas
que curam olhados.
espada de Jorge,
avenca de cheiro,
vassoura de planta
no chão do terreiro
e reza a velha
na voz que resmunga,
benzendo o menino
com dores nas juntas.

domingo, 9 de julho de 2017

Aristóteles














Aristóteles dizia
lá na sua Grécia Antiga
que servir toda cidade
é uma filosofia
em que verdadeira música
é o canto da república
com a democracia
se exercendo em primazia.
Mas hoje tão somente
o que se vê infelizmente
é a Arte da Política,
corrompida e sifilítica,
no discurso de interesse
de quem pede em falsete
um bilhão de confiança
na eleição de sua conta.
E na lama chafurdada,
a moral abandonada
serve a taça sedutora
que corrompe a pessoa
e seduz um parasita
que assume a mania
pelo voto todo dia,
e caça presas distraídas.

Tapa no pernilongo
que se faz tão soberano
com sua flecha de vampiro
e seu som de violino.
Bomba de inseticida
em sanguessuga e fantasia
na promessa e na mentira
que entorpece a rebeldia.

Abram-se as gavetas
dos barões e das duquesas
e o ouro lá guardado
seja ao povo destinado
na saúde e moradia,
na educação urgente,
no respeito ao indigente,
na Justiça que nos guia.


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sexta-feira, 28 de abril de 2017

Grito















O abuso da força é fraqueza
O abuso do belo é a feiura
O abuso do rico é a pobreza
O abuso do lodo é loucura
O abuso da empáfia é a derrota
O abuso da água é asa branca
O abuso da lei é a revolta
O abuso da voz fere a garganta

O abuso do samba perde o passo
O abuso do saco é o vazio
O abuso do frio é o descampado
O abuso do lago é o estio
O abuso da posse é a miséria
O abuso da cerca é o limite
O abuso do quente é a Sibéria
O abuso do orgulho é o humilde

O abuso da falha é um sismo
O abuso da mágoa é o veneno
O abuso da joia é o granito
O abuso da forma é o escaleno
O abuso da páscoa é o Egito
O abuso da estrela é um nada
O abuso da raiva é um cisto
O abuso da safra é vaca magra

O abuso da santa é hipocrisia
O abuso do som é a surdez
O abuso do ego é antipatia
O abuso da capa é a nudez
O abuso da seca é tempestade
O abuso da chave é o rochedo
O abuso do todo é a metade
O abuso do crime é o degredo

O abuso da fase é sobrecarga
O abuso do guia é a escuridão
O abuso do doce é sem a casca
O abuso do raio é o trovão
O abuso do brilho é o escondido
O abuso da posse é sem a mão
O abuso da bolha é estar no chão
O abuso do pão é sem o trigo
  
O abuso da onda é a secura
O abuso da copa é a raiz
O abuso da mesa é a penúria
O abuso do cheiro é sem nariz
O abuso da crença é a ausência
O abuso do aço é o quebradiço
O abuso da fé é a inclemência
O abuso da calma é um grito.


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quinta-feira, 13 de abril de 2017

Candonga















Candonga mexerica fica, fica,
fazendo narrativa todo dia
das coisas que acontecem mundo afora,
da nuvem que vagueia sobre a aldeia
no telejornalismo dito e escrito.

No corpo da notícia que importa
há sempre um interesse de cartola
e o dedo gerencia o que cita
e o que se silencia ou se esconde
aonde alguma fala não responde.

E assim a mexerica candongueira
engana com seu cheiro maquilado
do que se vê vazado na peneira
pra quem se acomoda confortável
em seu sofá de sala, escutando
o que a TV lhe conta sobre o dia
das coisas de Brasília e do Senado,
da fala teatral do deputado
que na ideologia se afirma
o grande herói da pátria flagelada,
mas povo não é égua, não é bobo,
e sente o cheiro falso da mentira
e faz da rua a casa em que habita
na força que desmente a mexerica.



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sábado, 18 de março de 2017

Há de haver














No planalto central,
urubus do legislativo
fazem voo furtivo inaugural.
Olham de cima a presa de rapina
e querem tudo o que se imagina.
Querem alma, querem ouro,
querem sangue, querem couro.
Mas há de haver alguém honesto.
Por isso, eu me manifesto.
Há de haver esperança no baralho
que defina algum trabalho
e que afaste esse ladrão
abusando de famílias e
de quem busca moradia
com uma fome do cão.

O destino das tripas e do intestino
de pedintes de barriga vazia
dança de mão em mão
e a fila que nunca viu Brasília
e nunca soube o seu azul
na  elegância da cidade,
só sabe da ganância do baú
da felicidade eleitoral
no paraíso do planalto central.


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domingo, 12 de fevereiro de 2017

Revolução














Serralha espinhenta nascida
na calha da rua barulhenta,
aprende com as coisas miúdas
e pacifica teu espinho de brejaúva.
A verdadeira grandeza é invisível
e não ostenta os artefatos da ilusão.
Assim, faze silenciosa tua evolução
sem a incrível vestimenta das rosas
ou a falsa glória das ostentações.
Enquanto os carros passam, silencia
e observa o ciclo engolindo o dia.
Cada lição aprendida vale ouro
para guardares no escaninho.
Parecem inexplicáveis as injustiças,
mas é lógico o destino das plantas invisíveis,
por mais que fiques ferida
quando a multidão te pisoteia
na pressa terrível dos dias.
A tudo suporta quieta e paralela,
estudando sozinha o mundo.
Um dia saberás que valeu à pena
tua confiante e heroica novena
e terás então registrada em livro
uma experiência que te forjou árvore,
frondoso palácio de passarinhos.
Ainda assim não te avistará
quem cruza a rua em desalinho,
mas teu passado de mostarda continuará
recolhendo lições e aprendizados
para o infinito paraíso dos pássaros,
pois a invisibilidade na cidade
é a verdadeira cortina do espetáculo.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O Capital














O micróbio do dinheiro 
na ferida do mendigo
ambiciona e faz medo 
no projeto em que o rico
quando deita se preocupa 
que se afaste o bandido,
que o desastre da falência 
fique longe do seu circo
de aparência e desfile, 
de holofotes e perigos,
de inveja  na revista 
que destila seu prestígio.
O dinheiro cria perna, 
salta longe feito grilo
no mercado da oferta, 
na procura em sigilo
mata fome, vira ponte, 
vira casa, edifício,
operário na labuta 
sempre sua no suplício,
sonha carro, sonha vida, 
sonha roupa, sonha filho
e o dinheiro sempre escapa, 
vai na asa de um trilho
vai pro banco, vira vento, 
roda o mundo no estribilho
sai do cofre, vai no bolso 
e num gesto de esforço
sai do rico e retorna 
bem na rua onde estende
e recebe sorridente
a mão pobre do mendigo.


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