quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Carnaval













Folia de carnaval nunca esteve em mim,
que nasci com os dois pés esquerdos
e uma timidez que não tem fim.
Meu desvario é com o rio
nas asas de um bem-te-vi,
saltando entre bananeiras
e ingazeiros para saudar o fevereiro.

No lugar da alegria prefiro
uma tristeza ao contemplar
as cenas imperfeitas e uma saudade
que às vezes me invade.

Minha fantasia de vidrilho
é ver os meus filhos indo
mais longe do que eu  no mundo,
de mãos em mãos, revelando aos outros
o que se passa em meu coração.

Creio que deve haver uma cidade
de outrora dissolvida em lembranças
quase mortas, um lugar em que
o luar me atinja por inteiro.
Sou esse tipo de brasileiro diferente,
que não samba e nem joga bola,
que descansa na sombra calma das horas
e balança no fluxo das alegorias.
Minha poesia é feita de silêncio e fuga.
Somente quando fujo da multidão
é que encontro a lua.

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sábado, 22 de fevereiro de 2014

Vertigem Luminosa















Por mais que se fecunde Jung, aí está
Arthur Bispo do Rosário com sua capa alada
a tomar café com os anjos
e a comer versículos brancos.
Passeia com seu manto sagrado entre os homens
ouvindo as distâncias do longe
em inocência bem-aventurada.
No reduto fundo dos ouvidos,
os ventos marítimos trazem domínios
dos cavalos marinhos e a lua cheia
dos encantos da sereia.
Diversos seres andam em sua companhia
guiados pela Virgem Maria e
vindos do alto infinito das permanências
de onde saltam os pássaros ligeiros,
trazendo promessas de mensageiros.

Por mais que se diga imune,
aí está a razão despetalada
pelos algoritmos da cigarra.
Na semente das flores guardadas na mala
passeia com a sua capa sagrada de apocalipse
na sombra de Orfeu e Eurídice,
entoando ternura que sempre se espalha.
Arthur Bispo do Rosário
bate um sapato no tablado do assoalho
ao fazer barulho que desperta em sobressalto.
Ecce homo, felicíssimo em seu abandono,
encastelado na torre da igreja
e de andorinhas enfeitado no horizonte esfogueado!
A alma, na esquina, se adeja inflada
em vertigem luminosa ao inebriar-se
do vinho e do minério que almoça.
Eis o Bispo do Rosário que tem
o coração em formato de rosa!


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sábado, 15 de fevereiro de 2014

Notícias Populares














Natural, a fala é também
petróleo de jornal
onde as pessoas
conversam.

Falam em tinta gráfica
espalhada no papel
reciclável de árvore
dissolvida em novas notícias.

O dígito dos eucaliptos
impressos cheira a novo
no Jornal do Povo
nestas conversas escuras
em noite madura
na sombra da floresta.

E a notícia antiga das coisas escusas
no ralo noturno das promessas
estaria na página Polícia
não fossem específicas,
Mas não, estão em Política. 


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domingo, 9 de fevereiro de 2014

Retrato















Depois de dois dias,
no laudo,
registrou-se
o olhar de peixe
e os gritos
escondidos na parede;
o batom vermelho-alizarina
no vão da sexta-feira ainda;
o dinheiro espalhado
na poltrona
e a retina
congelada
de uma santa;
as pernas arqueadas
e o cabelo de piaçaba.
O corpo permanecera
estrangulado numa ilha
e a solidão da cartilha,
estampada.
O rabecão levou Suzana
com
os ossos
em vergalhão
e depois
a depositaram
num campo sagrado
em que os passarinhos
cantam nas covas indigentes,
onde o capim-gordura
e as baratas crescem em dentes,
onde o veludo das caranguejeiras agasalha
as noites menos duras do que aquelas em vida, traiçoeiras.



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Estandarte


















Para enfrentar a cobra áspera
e fria do bambuzal da abadia,
o embornal está repleto de recitações.
Carrego as palavras como quem
carrega um estandarte
porque as palavras agem.

Se nesse agir, o que enxergo é miragem,
digo que valerá a pena
porque cultivo sempre a esperança
mesmo sem Dulcinéia ou Sancho Pança.

Eu escrevo porque tenho medo
e a embarcação de palha,
retirada do coração, é a
salvação do meu degredo.

Quem me guia é a estrela mais alta
e, em minhas faltas,
coloca em minha boca
frases que não são minhas.

Com isso, avanço ao longo das trilhas
e exploro paisagens desconhecidas,
recitando encantamentos.

Não vejo monstros nem dragões
nos moinhos de vento.
O que vejo é menos intransponível.
Mas há essa chama de compromissos
depositados no balaio das palavras
que pede a minha fala.
É assim que me visto de coragem e sigo.




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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Novelo















A busca da patrulha deu em bulhufas
O bagulho estava na caixa d’água
A bússola da polícia calçou pantufas
E o malandro deu gargalhada

A bola de hulha cobrindo a bufunfa
Escondeu-lhe na madrugada
A bula da alcunha calou-se parada
Não há testemunha se bem malocada

Alguém de capuz dedurou numa fala
De novo a polícia armou-se calada
Entrou pela sala com a porta arrombada
Deu voz de prisão à moça sentada

O irmão saltitou-se e pegou numa arma
A polícia atirou-lhe no peito uma bala
A mala escondida vazou toda gala
E o solo ganhou a morte enterrada.

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domingo, 2 de fevereiro de 2014

Coração













Jardim secreto
é o lugar onde o verso
mora:

Espaço com cheiro sintético
e onde o poético
namora.

Jardim diverso
é o lugar onde o tempo
molda:

Lugar com cheiro de gente
e onde a semente
se solta.

Jardim deserto
é o lugar longe e perto:

espaço dentro do peito,
cenário de universo.



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