sábado, 25 de maio de 2013

O Homem Amarelo
























Eu ando num cenário de urina,
de tempo esmaecido como num filme épico,
de âmbar celofane, de acetato azedo e verniz.

Os pássaros que assobiam minhas manhãs
cantam por sobre as horas amolecidas e lentas, 
por sobre os arvoredos antigos que farfalham, 
por sobre as coisas do passado que carrego.

Na mão direita guardo a vida toda,
na esquerda, as lacunas e os suspiros.
Eu ando em amarelos e sem espetáculos
porque à minha volta tudo me parece antigo:
A realidade é um castelo velho
em que a aparência faz o instituído.
Já a essência do verdadeiramente belo,
está guardada num estojo aflito,
estagnada no fundo de um abismo,
inalcançável dentre muitos perigos.

Mesmo assim meu ópio é o amarelo
de uma verdade endurecida,
de uma vaidade iludida, de um sono anestésico.
Eu ando em amarelo, tangido pela trilha, 
mugindo na paisagem,
acomodado em meu castelo velho.



.






sábado, 18 de maio de 2013

Os sonhadores














Os sonhadores descansam sob a sombra
de uma lembrança cheia de urgências.
Pelo alto das folhas, entre galhos e fendas,
vaza uma réstia de Sol e um cântico antigo
que entoam os pássaros que voam do Pacífico.
Os sonhadores sonham a lenda descansando-se
nas emanações que chegam do paraíso.

Mas não é límpido o pensamento e,
dentro dos esquecimentos, vagamente,
se lembram quando contemplam.

As coisas que enxergam se insinuam belas
em seu envoltório de névoa.
Talvez, vindas de um lugar distante
e, de relance, rapidamente acesas,
dissessem em seu feitio de além:
- Estou aqui também.
Que se diluam todas as tristezas! 

E, introduzidos vez em quando
a um cenário fugidio de flores e canários,
experimentassem nos arrepios algum horário
em que o sereno das estrelas,
entre nuvens, filtrado,
pudesse recompor os corações fragmentados,
os sonhadores sonham com ardores
e abraçam-se às causas como se elas
fossem o ser amado.

Existe uma grande saudade da casa
em que se acha instalada a rosa-dos-ventos.
Os sonhadores fazem, então, um movimento
e absorvendo a claridade do luar,
começam a cantar.

Cantam se apegando à fé de um sonho realizado
e bendizem as coisas boas do passado.
No presente, que está aberto, abrem os braços
para o futuro incerto
e, para as canções da origem,
guardam-se volumosos e em vertigem.
Os sonhadores exorcizam as incompreensões
com o poder sagrado das revelações.







.

domingo, 12 de maio de 2013

LÍRICA

              














                                    
                                                  Para Líria Porto

Ai, menina, recolho-me à tua janela
nas tardes de hemoglobina,
em noite chuviscosa,
na manhã da estrela d’alva.
Ai, poesia, tua madeira inventa
na beira do vento na eira das casas
um só movimento:
o passarinho macio voluteia,
a lua sussurra um segredo,
e tu, amiga, gotejas inteira.

Ai, mas que linda! Por um momento
hospedei-me em tua casa fiquei
impregnado de palavras.

Ai de mim! Elevei-me te observando de cima
e, da altura plausível, toda possibilidade
guardou-se unificada assim:
um poema feito palma de praia e da mão,
bacia de rio, corpo de estrela, tronco de árvore,
encontro de rodovia.

Então, amiga, cumprimento
o enigma volumoso em meu mar de lira
e deduzo: um poema é igual a um problema,
mas um problema bom que só ele.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Poética






















Ao querer compreender as coisas miúdas,
eu me ponho a catar agulhas,
vasculhando o chão de Vasco da Gama
e minha armada, inflada de vento,
antes de partir, reveste-se de miçangas
na parte de dentro
para navegar triunfante para as costas
e trocar falsos diamantes por novas rotas.

Eu quero caminhos fáceis para alcançar a beleza
sem que os dedos ágeis na mesa
não escondam o ouro, nem a glória
de uma expedição vitoriosa.
Assim, abro a boca e navego vogal afora,
chamando a chuva criadeira de visgo,
para fabricar em minha porta
um outro mundo desconhecido.

E o esmero com o qual trabalho
este mundo verdadeiro e sagrado
é um ofício de joalheiro
na busca de um brilho encantado.
Só então, a realidade rasgada ao meio,
mostrará um pedaço de cena rara.
Aí, feliz, minha armada
resumirá este mundo num verso -
mas não é um mundo qualquer.
É o verso de um mundo em excesso
e em que a ordem requer
a novidade de um processo:

Fazer a decomposição do antigo
em novas reelaborações;
desmontar as partes do brinquedo velho
e fabricar novas conexões
em nostalgias cujas cosmogonias
descortinem o teatro cego.
Por isso, a novidade é sempre velha
numa ordem que versa
mas, nem por isso, a velha realidade
deixará de ser bela.




..