sexta-feira, 29 de março de 2013

Março














Em março desaguou a mágoa
apertada no mormaço
e o canoeiro que leva o sal para longe -
lá para onde as andorinhas
e as estrelas imitam as abelhas
e todas as tristezas viram mel -,
ressurgiu do céu.
Agora, a vítima foi embora.
Emagreceu-se das cachoeiras
e das tempestades de engorda.
A vítima, que apesar da onda,
havia cravado o seu ferro de âncora
e se recusara a boiar com as flores,
livrou-se do gozo que chora
e foi embora.
Foi no vento chorar
as mágoas em outro canto,
bater no peito em lamento
e se rastejar amargando
feito melão-de-são-Caetano.


.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Debaixo do Jacaré
















Debaixo do jacaré há um redemoinho sem saci,
uma cartilagem de abacaxi,
um céu pesado sem estrelas,
uma guaxima sem sabiás laranjeira.

O jacaré é monocórdico tambor
que enche de mornidão o tempo,
é contentor da maré vazante 
que atravessa paredes
e que inibe o azul acessível à população,
um azul emudecido em seus marulhos de cantor.

Debaixo do jacaré há um silêncio amordaçado,
uma rotina cimentada em laje
que não nos permite receber
canções e camélias,
que não nos permite enxergar as cores vivas
e assim, com os olhos cavos, 
ficamos mais tristes,
com a voz arrastada, ficamos mais calados.

Debaixo do jacaré está o outrora -
porcelana da china e corpo de angina -,
está o agora - trêmulo bordão do impossível -,
está o futuro multiplicado em ostras
num escuro onde não reluzem pérolas. 

Debaixo do jacaré 
o bandalhismo triunfou no filme,
os cerzidos amarraram os vulcões e
os muros inequívocos apartaram os bem-te-vis

Porque o jacaré é a rotina sem rosas,
é quando nos distraímos e nos perdemos
do oriente que nos guia no canavial
e no oceano que intuímos.


.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Epifania
















Não foi por interesse,
mas com todo interesse do mundo.
Não foi resplandecência, mas uma luz tão clara
que não se oculta, tão firme que não cintila,
tão óbvia que não se afirma.

Não foi um fulgor abrasador, 
mas aquele que desperta sutilmente,
que alimenta e não fere,
que ilumina e, por isso, determina,
e que tem na gentileza o seu melhor brilho.

Foi na clara consciência, clareza esguedelhada
de luminescência, estrada iluminadora
onde as formas iluminadas se tornam acalmadoras.
Lua aclarada, acolhedora na prateada influência
dos signos fluidos, das sapiências flamadas,
das rosas de luz encantadas
por sobre os castiçais do tempo.

Não foi por acaso, mas de caso pensado,
bordado com fios de ouro que são vias
em laços invisíveis num caos ordenado
que fiquei aqui te esperando o tempo todo,
que viajei por muitos mundos
enquanto estavas parada,
que soprei recados no vento que a ti chegaram,
que chumbei os ouvidos em cimento quando
por mim, inutilmente, me chamavas.

Agora vejo o óbvio:
estiveste aqui o tempo todo,
estiveste em mim sem que eu a avistasse.
Agora te sinto nesta paz interminável,
nesta manhã duradoura onde o poente
é mera ilusão pois, mesmo na escuridão,
posso deitar em teu colo e sentir
o carinho e o poder das suas mãos.



.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Circo
















A palavra se esconde
numa pele de pomada
(tê-la é imprescindível)
Sua pausa se confunde
com o silêncio
(ponte-pênsil para o nada).
Mas o nada é nada mais
que a própria palavra
encerada.


.

sábado, 2 de março de 2013

Amor líquido


















Porque os laços do amor são muito finos,
ama-se com o olhar perdido
vagando as ondas de uma multidão.
As ondas chegam e vão.

Se os laços do amor são muito líquidos,
ama-se com o olhar contido
sem espraiar o mar do coração.
Os olhos fogem da liberdade
para ver apenas a escuridão de uma prisão

Se os laços do amor são muito rápidos,
cada momento é vão.
Apesar de único não é precioso,
vale muito menos que meia-volta de pescoço
a buscar outro amor na multidão.

Mas que amor é esse
tão fluido e passageiro
que bem aparece certeiro e já some?
Defini-se amor por inteiro
mas quando termino de
pronunciar o seu nome
já acabou o tal amor.


.