quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Meus olhos
















Dentro de um pavilhão descansam
os meus olhos fechados num canto úmido do chão.
Cansaram de ver no clarão do dia
as coisas duras e insolúveis.
Fecharam-se macios e desataram-se
dos colchetes que os prendiam.
São agora egoístas e indiferentes.
Já não se lembram das mãos dos pedintes que pedem,
nem do frio dos desabrigados.
Cansaram de imaginar, piedosos, crisântemos curativos
e debulham, agora, tudo em malha grossa nos crivos.
Cada mazela atravessa com o seu peso de rocha
o portal da lembrança e some no nevoeiro da floresta.

O fel perdeu-se num labirinto e
deu lugar a um rio caudaloso.
A água invadiu os corredores da alma
e limpou tudo com força de água.
As imagens inolvidáveis foram guilhotinadas.
No peso do cansaço dos acomodados,
os meus olhos se entregaram ao sono dos justos.
Dormem, amolecidos, depois de um dia de trabalho,
o sono da noite, e já não se preocupam
com as guerras e o infanticídio.
Já não se preocupam com a fome dos miseráveis,
nem com a precariedade do mundo.
Meus olhos dormem.

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4 comentários:

  1. Sim, Indigo. É a morte por anestésicos e barbitúricos. Infelizmente a humanidade está dormindo como pedra em seu egoísmo. Grande abraço.

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  2. Agradeço de coração, Gláucia Monteiro. Agradeço, inclusive, a sua atitude de compartilhar o meu poema nas redes sociais. Abraços.

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