quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Palhoça
















Do que há de insuportável na cidade,
descortina a lembrança branca de sempre-vivas
e guarda  em sigilo a longínqua película
em que a infância palmilhava a instalação  das aves
no colonião dos campos.

Nos transtornos urbanos, foge para o campo.
Fecha os olhos e visita a cena em que as açucenas
aparecem viçosas na beira dos córregos
e, da indolência das vacas ruminando iodo no capim salobro,
desfia aos poucos a colcha rendada da tua paciência.

Quando tiveres uma real fome,
lembra dos taiobais e inhames da beira do rio
onde as capivaras focinhavam as batatas do barro
e recorda do teu almoço caro.

Na falta da prudência, lembra da
ventania extraviada que levava a boiada ao infinito
e voltava com a chuva espichada num aviso
e atente ao que possa ser previsível.

Se não te sentires perfeito, lembra-te direito
do bote da cobra armada nos novelos de fumaça
que rodilhavam da chaminé da casa e
guarda o cheiro de pastéis fritos e teus pequenos delitos.

Dos destroços da noite onde cantavam os galos,
guarda a manhã desmanchada em rosários.
De onde havia bem-te-vis em algazarra,
guarda em teu peito uma festa bem animada.

E, acima de tudo, não te esqueças da tua casa
feita de palhoça e em terracota de joão-de-barro.
Nela está o mundo resguardado e inesquecível,
mundo indissolúvel e permanente, que nunca
se fará ausente onde quer que venhas estar. 


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