domingo, 14 de dezembro de 2014

Petite Bourgeoise

















No dia esvoaçante de um espantalho,
eu quero ser uma lagartixa no mato
para estar encarrapichado
e,  com os olhos esbugalhados,
ficar imune a inseticidas e depósitos bancários,
com os pés fincados em tudo.
No momento crucial do espetáculo
eu ficarei mudo, escolherei a pobreza em espasmos
para ouvir as implicâncias de toda a gente saliente,
que atacará a minha ignorância demente
por eu não valorizar com elas os modelos de aparências.
No lugar de cinema e garotas de Ipanema,
oferecerei minhas costas caracachentas.
Aos que me repreenderem com dureza,
responderei sim com a cabeça,
e todos os que comem bagre africano
e arrotam caviar californiano
defenderão suas ilusões perdidas
como quem  protege o sentido da vida
pois, para eles, não se deve mastigar
folhas de boldo para esgoelar
a gosma amarga dos estorvos,
e a felicidade deve ser doce como
se fosse valsa,  mesmo que seja falsa.

No dia em que se deve andar
de um jeito que impressiona e fazer
coisas que alguém ambiciona,
eu quero a  liberdade de uma ciranda
e, no mato, na forma de uma lagartixa,
subir em círculos nas piritas e fados,
com pouca ilusão de dourados
e imune aos triviais afagos.
Permanecerei distante e invisível,
camuflado na folhagem com olhos de caça
e fugindo decidido da massa
que me quer, com ela, dissolvido
na torcida e aos brados.

E ficarei sozinho do lado da feiurinha
nessa parte do mundo que é de poucos,
nesse corpo de vértebras que é mais solto,
nesse agosto de fumo de rolo
com folhas curtidas e enrodilhadas em repouso.
Minha felicidade será sempre diferente.
Será estar dentro de mim e não com as gentes.
Será cavar um ouro solitário na floresta das palavras
que, para mim, sempre será mais reluzente.

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