quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Narciso



















Um dia, numa bacia esmaltada,
meu umbigo bailava.
Bailava o meu umbigo inocente
pois não sabia ele das tentações da vida.
Navegava feito nau sem rumo
pois ele não era ele e nem eu era eu.
Depois, a nuvem leve dos muitos eus me
fez artefato que às vezes chove sem parar
e perdi a alma dispersa na ventania, 
e criei espessuras para o meu passeio de rua.
Amealhei meus gravetos numa armadura dura
e fiquei vigilante do mundo
sem aquele olhar celeste que só os anjos têm -
os anjos, que são ninguém em sua candura.
E criei uma crosta terrestre feita de ferro
e vértebras que se erguem distintas dos outros,
que se admiram no espelho d’água
e se afogam manhãs inteiras a pentear cabelos.



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4 comentários:

  1. Os "marcadores" da minha alma destacaram a vigilância e a espessura, a armadura e a ventania. Mas não esqueci que a poesia desfaz a pele de aço e deixa a gente sangrar novamente.

    Belo poema, Bispo...

    Beijos,

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  2. Sim, Tânia, com certeza! E na aparente fragilidade está toda nossa força e toda a riqueza da alma humana... Beijocas.

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  3. cabelos djavaneados, formigueiros ambulantes...rs

    ainda outro dia vi meu umbigo mumificado, enrolado num barbante azul, dentro de uma caixinha de pó-de-arroz, redonda um um queijo.

    cê acredita num trem desses???

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  4. Querdito, hara siiii! Tenho o meu também, minino. Está guardado numa gaveta que possui, dentre outras coisas, três cachos de monóculos multicoloridos, rsrsrs.

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Reverbere!