sexta-feira, 26 de abril de 2013

Prometeu


















Quando eu canto,
a boca aberta é um diafragma
que abre e fecha.
Pisca a luz em sanfona
e me derrama pela fresta.

Pela boca o mundo declama
e abre o decote do vestido
para outro mundo que mama
com fome de recém-nascido.

E meu corpo velho de alma,
esquartejado e repartido,
entrega-se à fauna
que anseia o que digo.

Mas o mundo em palavra
é fogo redivivo
que acende e se espalha
do velho adormecido

E dentro dos outros
estou comigo
catando seus tesouros
e me fazendo de trigo.



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sábado, 20 de abril de 2013

Esmeralda


















Ah! Agora sim, arranjaste uma Esmeralda.
Mas, cuidado! Ela está se tornando uma segunda-feira.
É preciso mais colorido, mesmo que seja de vidro.
É preciso mais segredo, mesmo que seja de fingimento.
É preciso mais predicado, mesmo que tudo esteja aparente.
Tua Esmeralda não será troféu, não será escrava,
não será vitrine, não será inigualável em virtudes
pois em tudo há rutilâncias e ruídos,
em tudo há a elaboração vulcânica das forjas
que alimentam as horas. Há, acima de tudo, o processo,
a bem-aventurança que nos concede a liberdade do erro.

Anda com tua Esmeralda, mas não te iludas.
Para tudo há tempo de existir.
Para tudo, o tempo maturo concederá a vez do luto.
Então, tua Esmeralda terá sido deveras verde
apesar das falhas e frestas, 
deveras valiosa, apesar das asperezas,
deveras Esmeralda, apesar dos amarelos.



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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Fado
















Perguntei ao fadista sobre a minha fortuna
e, enquanto perguntava,
uma fagulha de esperança precipitou-se ao chão
apagando o mapa das minhas mãos.
Turvou, embora tornasse atrativa, a minha estrada,
e passei a buscar coisas atrás das moitas
- do medo, brotou um pé de desejo.

A árvore cresceu numa escadaria
em forma de búzios e búzios
em forma de galáxias
(e a pobre bruxa vazou veneno
ao apagar-se por dentro).

Batizei, então, de coragem o meu fiapo de fúria,
minha glória de medir forças
com montanhas imaginárias.
Tentei fazer de cada momento algo extraordinário.
No escuro de hulha, arrisquei o salto
antes de fabricar na chuva o sapateado.
Para uma vida em nada segura,
aceitei sua beleza oculta,
e adotei à noite os olhos da coruja.


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sábado, 6 de abril de 2013

Meu amor















A roupa do meu amor é industrial:
polietileno de esperança, plástico verde 
embrulhando torres de flores e,
na manga, o valete de copas. 

Faz o meu amor viagens de comércio
à Via-Láctea e depois, na volta,
imposta-se em seu escritório
revirando coragem e desfiando
polígonos de sentimentos inexplorados.

Ama o meu amor a caneta do minuto manco
alçando voo para dentro de outra visão.

O seu dia-a-dia é misterioso,
metros de gosto exposto onde há mudez,
cidades coloridas, cadeiras mancas de teorias.

Porque a imagem de rio é algo belo
formando uma televisão, meu amor canoeiro
é todo cinema, movimento e estrada
de caráter pulsante formando engenho e coração.


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